No mundo de hoje, com loops instantâneos, plugins de IA e infinitos "type beats", nunca foi tão fácil criar música de qualidade. Mas será que ela ainda carrega criatividade?
No primeiro episódio da série Off The Record, o produtor brasileiro Daniel Ganjaman nos lembra que o coração da música não vem apenas de stems perfeitos ou tecnologia. Ele vive nas escolhas subjetivas que mantêm seu som inconfundivelmente humano. Este artigo se aprofunda em histórias que não entraram no vídeo final. São lições para qualquer produtor ou músico que queira proteger sua alma criativa em um mundo de IA.
Por que Loops Perfeitos podem Matar o Feeling
Ganjaman é direto: muito da música moderna soa sem vida porque muitos produtores usam atalhos que apagam a personalidade da faixa. “Eu costumo ouvir muita música antiga. Não sou de escutar muita coisa nova. Claro, gosto de trabalhos novos de artistas que admiro, mas, 95% do que eu ouço são dos anos 80 para trás. Hoje, vejo muita gente criando música só costurando loops prontos. Acho uma forma muito tétrica de se produzir.”
Não há problema em usar loops, mas o risco é quando tudo vira apenas um arrasta-e-solta—assim, a imprevisibilidade vai embora. Ganjaman chama isso de zona de perigo: quando o processo fica tão automático que parece um comando de IA. A música aparece, mas onde está o lado humano?
Pense nos discos clássicos de punk; crus, cheios de imperfeições, mas carregados de emoção — coisa que música “perfeitinha” quase nunca consegue trazer. Às vezes, uma notinha desafinada ou uma virada torta é exatamente o que mantém a faixa viva.
A Curiosidade é Atemporal: Garimpo de Vinil e a Arte do Sampling
Muito antes do streaming, produtores como Ganjaman aprendiam garimpando discos. Para ele, a cultura do sampling no rap abriu sua mente e mostrou que a curiosidade é o que constrói a sua bagagem musical.
“Uma coisa que foi fundamental para o meu interesse em ouvir coisas diferentes, foi ouvir muito rap. O rap tinha essa cultura do sample. Lembro como eu fiquei sem acreditar quando descobri que os beats eram samplados de discos antigos. Minha cabeça explodiu.”
Ao garimpar discos, Ganjaman se apaixonou por soul, música africana, jazz, grooves latinos, todos os tesouros escondidos que constroem a diversidade do seu som. Ele lembra de levar discos brasileiros para os EUA, trocar por outros e voltar para casa com vários vinis que mudaram totalmente sua paleta musical.
Esse espírito ainda faz toda a diferença nos dias de hoje. Pergunte a si mesmo: você sabe de onde veio aquele loop? Você reconheceria o sample original que está escondido no seu beat pack? A curiosidade nunca envelhece, porque é isso que faz você seguir criando e fazendo novas conexões.
Encontre suas Raízes
Tendências passam, as raízes ficam. Para Ganjaman, músicas que nascem da alma—como reggae, funk, soul e jazz—sempre foram o seu norte, porque se conectam direto com a emoção.
“Eu amo música de preto, saca? Praticamente tudo que tenho aqui em casa é isso. A música clássica, por exemplo, não faz parte da minha coleção. Acho bonito, mas não é algo que eu escuto em casa. Eu escuto o que realmente me toca.”
O que mexe com você pode não ser o que está bombando nas playlists. E é justamente esse o ponto. O apelido Ganjaman, por exemplo, veio de um disco de reggae do Lee Perry que o emocionou tanto que ficou para vida toda.
Encontrar um som que mexe com você sempre vai ser mais importante do que simplesmente seguir tendências.
O Papel do Produtor vai Muito Além de Botões e Volumes
Muita gente acha que o produtor só serve para ajustar os volumes ou “dar um tapa” no som. Ganjaman pensa diferente: o verdadeiro trabalho do produtor é ajudar o artista a capturar um momento e transformá-lo em algo que vale ser lembrado.
“Eu acredito muito no disco como um recorte daquele período do artista. E que o produtor é como se fosse o fotógrafo. É a pessoa que conseguiu fazer o clique, que vai ilustrar da melhor forma o que aquele período representa.”
Às vezes, isso significa dizer para o artista: “Essa ideia não vai rolar. Vamos tentar de outro jeito.” É confiar no próprio feeling, mesmo que o resultado não seja perfeito. Os melhores discos não envelhecem bem porque são impecáveis, eles duram porque capturaram a verdade daquele momento.
Se você quer fazer discos que marcam, lembre: produzir é uma conversa, não uma ordem. Quincy Jones não só gravou o Michael Jackson; ele provocou, questionou e deixou espaço para surpresa.
Não copie, Seja a Referência
Nada é mais frustrante para Ganjaman do que os famosos “type beats”. Ele não quer que artistas busquem sempre a mesma referência; ele quer que eles sejam a referência. “Eu detesto quando a gente vai produzir alguma coisa e o artista me mostra uma música e diz ‘quero que esse som fique parecido com esse’. O máximo que você vai chegar é nisso. E se você chegar nisso, vai ser inferior àquilo que você buscou. E você jamais vai ser a referência.”
Ele não está dizendo para você não ter referências, ele só quer que você não fique preso nelas. Muitos grandes artistas começam copiando o que amam, mas quem fica para história é quem pega essa inspiração e transforma em algo novo. Tom Zé, por exemplo, quebrou tantas regras que virou referência para gerações. Você não chega aonde quer chegar seguindo para sempre o mapa de outra pessoa.
Moises App: Usando IA Sem Perder o Lado Humano
Então, como o Ganjaman usa as ferramentas modernas sem perder a alma da música? Para ele, o Moises significa fazer o que antes parecia impossível, como isolar o vocal de um artista que já se foi para um show-tributo, ou limpar uma gravação caseira para trazer a voz de uma lenda de volta à vida. “Eu uso o Moises para ajudar com minha rotina de criações... Ele foi essencial para a gente chegar onde queria.” Seja para ensaiar quando o vocalista não pode estar presente, ou para preservar gravações raras e antigas, é tipo uma alquimia moderna: ferramentas de IA que expandem o que você pode fazer, sem apagar a essência musical.
A Principal Lição
Seja imprevisível e continue garimpando. Deixe a curiosidade te levar cada vez mais longe. Use IA e loops se eles ajudam nas suas criações, mas nunca deixe eles fazerem o trabalho por você. Os artistas que marcam época são aqueles que têm coragem de arriscar a imperfeição em busca de algo verdadeiro.
Veja o restante da conversa com Ganjaman no Off The Record no canal oficial da Moises AI.