Inspiração

Vanessa Moreno: Música em Movimento, Corpo em Presença

O terceiro episódio da série Off the Record tem como entrevistada a cantora Vanessa Moreno. Neste artigo, apresentamos bastidores e reflexões inéditas da conversa com a artista. Ela compartilha como a dança, a presença e a conexão humana transformaram sua trajetória — e fizeram da música um espaço não só de expressão pessoal, mas de encontro.

Para a cantora e multi-instrumentista Vanessa Moreno, ritmo não é só um componente da música: é um modo de viver. Conhecida por colaborações que cruzam fronteiras sonoras e por interpretações cheias de autenticidade, ela traz uma visão profundamente orgânica da criação musical, influenciada pela dança, por experiências coletivas e pelo estudo tradicional.

Neste artigo, vamos explorar as raízes do trabalho artístico de Vanessa, sua recusa a atalhos e como presença, improviso e expressão corporal sustentam um som que está sempre em movimento.

Tudo começou com a dança

Muito antes de pegar no violão, Vanessa já dançava. Foi por meio do corpo que ela descobriu a música — e essa conexão nunca se perdeu. A dança foi sua porta de entrada para o ritmo, para a cura e para a expressão artística. Uma influência tão forte que, ainda hoje, orienta sua maneira de interpretar sons.

"A dança é um elemento muito importante para mim, que antes até de estudar música — com 15 anos, eu tive interesse de começar a estudar violão — eu comecei a dançar, com 13 anos de idade. E a dança foi o primeiro motorzinho ali, antes até do interesse pelo instrumento, que me moveu pra que eu quisesse achar música dentro de mim e me curar por meio dela."

Esse elo entre movimento e musicalidade atravessa sua obra. Para Vanessa, ritmo e corpo são inseparáveis. A dança é o motor que impulsiona sua fraseologia, articulação e escolhas sonoras.

Para outros músicos, sua trajetória é um lembrete de que a fluência musical não começa apenas no instrumento ou no estúdio — pode nascer do corpo, do gesto, da experiência física.

Do rock ao axé: tudo é groove

Quando se lembra das músicas que a marcaram na juventude, Vanessa revela um repertório plural: rock, axé baiano e outras tradições de forte caráter rítmico. O que chamou sua atenção não foram solos virtuosísticos ou escalas rápidas, mas a pulsação percussiva.

"Na Bahia, axé é quase um... É um estado de ser, né? (…) Ao mesmo tempo eu gostava disso e gostava de rock. E eu percebi que o que me conectava, o que conectava esses dois estilos era justamente a questão rítmica, né? Dançar me levava pro movimento com o corpo, juntando toda aquela percussividade que eu ouvia. (…) O que eu gostava do rock, por exemplo, não era tanto os solos de guitarra — era a junção do baixo com a bateria."

Para ela, o que importa não é o brilho individual, mas a sincronia. O groove entre baixo e bateria, seja no som cru do Nirvana ou na batida contagiante do Carnaval, fala uma linguagem universal. É menos sobre gênero e mais sobre movimento — uma percepção que hoje inspira suas colaborações e seu jeito único de criar.

Quando acessibilidade e paixão se encontram, tudo é possível

A jornada de Vanessa na música não foi nada linear. Ela começou graças a programas de acesso público e contou com a sensibilidade de professores que enxergaram seu talento, mesmo quando os recursos eram limitados.

Em meio a desafios, um gesto de uma professora marcou sua trajetória:

"Teve um momento em que a gente teve umas dificuldades financeiras pra continuar bancando a aula de violão. (…) Ela viu que eu talvez tivesse que parar de estudar música (…) e ela falou ‘olha, coloquei um aluno de violão para você amanhã 8h30 da manhã, você quer?’."

Pouco depois, Vanessa ingressou no Projeto Guri, iniciativa gratuita de educação musical em São Paulo, onde teve contato com instrumentos em um contexto orquestral.

"E nessa mesma época minha mãe era professora. Ela tava indo no ônibus e olhou um cartaz em São Bernardo, que é a cidade que eu nasci, escrito ‘estude música de graça’. (…) Era pra estudar num projeto social que tinha aqui em São Paulo, chamado Projeto Guri. Ainda existe esse projeto."

Sua história mostra como o acesso — e não apenas o talento — pode transformar vidas artísticas. Não é à toa que ela defende tanto a importância da mentoria e de programas públicos de música: é algo que ela viveu na pele.

Por que Vanessa não usa loopstation (nem pretende)

Uma pergunta frequente para Vanessa é: por que não usar uma loopstation?

Com sua habilidade de unir harmonia, percussão e melodia, seria um prato cheio para esse recurso tecnológico. Mas a decisão de manter tudo no analógico é intencional:

"Ah, eu já fui indagada algumas vezes assim: ‘Vanessa, por que você não usa loopstation, já que você gosta de fazer esses sons? Imagina se você juntar tudo isso e soltar ali no palco’ (…). Eu não quero. Eu acho que eu perco o tesão da presença — eu, para mim. Pra cada um é um jeito. Mas eu acho que o instigante para mim é como eu posso buscar todos esses sons, todas essas sonoridades de uma só vez no meu corpo e instrumento. Tipo, o que eu consigo extrair ao máximo dele nesse estado de presença, né?"

Embora a tecnologia ofereça aos músicos um universo de novas ferramentas, Vanessa prefere o desafio de construir tudo ao vivo, sem repetições programadas.

Sua escolha reforça a ideia de que a presença consciente e crua no palco permanece uma poderosa aliada da criatividade — sem rivalizar com outros recursos, mas se afirmando como uma alternativa igualmente valiosa.

Menos é mais: O poder do duo

Entre os formatos que mais instigam Vanessa está o duo. Seja ao lado do baixista Fi Maróstica ou do pianista Salomão Soares, ela encontra nessa configuração minimalista espaço para improviso, silêncio e surpresa.

"Tenho dois discos gravados em duo com o contrabaixista Fi Maróstica: o Vem Ver, de 2013, e o Cores Vivas, de 2016. Nessa formação baixo-e-voz é muito legal, porque tem muitos silêncios — e a gente pode explorar muito os instrumentos de cada um, pra além das possibilidades óbvias. [Tenho] dois discos em duo com o Salomão Soares, o Chão de Flutuar e o Yatra-Tá. (…) Piano e voz é uma formação que me instiga muito."

Ao optar por formações enxutas, Vanessa evidencia a sutileza: timbres, respirações e fraseados vêm à tona. O resultado é sempre intimista, surpreendente e humano.

Voltando às origens: Vanessa Moreno em colaboração com o Angra

Em um movimento quase poético, Vanessa — que teve sua adolescência marcada pelo rock — gravou recentemente vocais para um álbum da lendária banda brasileira de heavy metal Angra.

"Recentemente participei do disco do Angra, que é uma banda de rock brasileira. Isso também me levou para outros lugares — me fez recuperar informações minhas sobre o porquê que eu resolvi estudar música, né?"

Mais do que uma conquista profissional, essa experiência foi um reencontro com suas origens musicais.

"O prazer em ouvir, em fazer música começou primeiro ali no rock. Até gosto de brincar que se não tivesse Nirvana não teria Tom Jobim na minha vida — não desse jeito. Acho que essa mistura de coisas faz com que eu possa me descobrir enquanto arteira em movimento."

15 anos de jornada: Ainda brincando, ainda aprendendo

Apesar do reconhecimento, Vanessa rejeita a ideia de maestria instantânea.

"Faz 15 anos que eu tô brincando sério, né? E estudando e tentando entender como é que eu aprendo como é que eu me debruço na música. Então, nunca é tarde pra começar, mas é importante começar por algum lugar e não achar que as coisas também caem só porque elas soam fáceis, né? Pra que elas soem assim, a gente precisa de um tempo de maturação, de contato com a coisa; a escuta atenta, a presença..."

Para ela, a evolução vem de estudo, curiosidade e presença — não da pressa. A música exige maturação, escuta e entrega.

A música não é sobre exibicionismo, mas sobre conexão

Vanessa Moreno vê a performance como uma forma de conexão — não de autoexaltação.

"Tem uma música do Carlos Posada que tem um trechinho que fala assim: ‘não vim aqui me exibir, eu vim aqui te buscar’. Eu acho essa frase tão potente — porque acho que, no fim das contas, a função de quem está no palco (…) é um resgate de si e do outro (…)."

Isso, talvez, seja o melhor resumo de sua arte: uma porta aberta para o ouvinte. Um convite para sentir. Um lembrete de que a música ainda é um ato profundamente humano.

Quer saber mais? Confira o episódio completo com Vanessa Moreno! A série Off the Record está disponível no canal do Moises no YouTube.

Traduzido por Camila Miranda

Malcolm Perry

Malcolm is a Los Angeles–based copywriter with over 7 years of experience. He’s also a music producer and songwriter, having worked with major artists across genres. When he’s not crafting copy or producing tracks, you’ll find him experimenting in the kitchen as an avid chef and foodie, creating food content, or out on the golf course.

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