Muitas das melhores ideias surgem quando a estrutura formal dá lugar aos bastidores. Fora das gravações e performances, surgem soluções inesperadas, novas ideias e hábitos que acompanham artistas por toda a carreira. Foi pensando nisso que criamos a série Off the Record: um espaço para mostrar o processo autêntico do artista em ação, sem filtros ou artifícios.
O quinto episódio destaca Filipe Coimbra, guitarrista e produtor brasileiro cujo trabalho inclui álbuns premiados com Grammy e colaborações com grandes nomes como Milton Nascimento. Reconhecido por seu domínio técnico e constante busca por novos timbres, Filipe combina equipamentos clássicos com recursos modernos para criar uma identidade sonora única. Ele mantém sempre um olhar curioso e experimental, característica que marca tanto suas performances ao vivo como seu trabalho em estúdio.
Neste conteúdo, você acessa histórias e aprendizados que não foram ao ar. Descubra como Filipe pensa o uso dos equipamentos, por que faz questão de trazer algo inédito para cada sessão, como organiza projetos e o que o incentiva a expandir seus horizontes para além da guitarra.
Improvisar, adaptar e criar: A essência do músico brasileiro
No Brasil, muitos músicos exercitam a criatividade aprendendo a lidar com limitações. Filipe cresceu observando equipamentos sofisticados em palcos internacionais, mas precisou se adaptar à realidade local, criando formas próprias de alcançar resultados parecidos (e, muitas vezes, surpreendentes). Para ele, transformar obstáculos em oportunidades fez total diferença.
“A gente não tem acesso a muitas coisas aqui. Claro que hoje em dia é muito mais do que antigamente, (…) mas ainda assim é diferente de lá fora, onde o cara compra tudo bonitinho, tem grana pra comprar, tudo que tá rolando, assim… Então a gente vai meio que adaptando do jeito Brasil de fazer as coisas, sabe? E eu boto muita fé nisso, nesse improviso das coisas, de personalizar.”
Esse olhar faz parte do dia a dia: desmontar guitarras, trocar peças com o que estiver à mão, investir em ajustes e reparos improvisados. O processo nem sempre é refinado, mas abre espaço para criar algo novo toda vez que se testa uma alternativa diferente.
“O rubber bridge fica mais… É outro instrumento. (…) Eu vou fazendo na tora. Essa Giannini não tem nem tensor. Eu coloquei as cordas mesmo e (…) o braço pode estar dando uma entortada, mas faz parte.”
Abraçar as imperfeições e buscar soluções próprias se tornou parte do método. Para Filipe, cada ajuste inesperado é um caminho para um som diferente, ajudando a construir uma assinatura autêntica e reconhecível em cada projeto.
Identidade musical no estúdio: Quando o músico de sessão faz diferença
Dominar a técnica é fundamental no ambiente profissional de gravação, mas isso não garante relevância. O verdadeiro diferencial está em criar uma marca pessoal em cada projeto, deixando registrada uma contribuição tão única que passa a ser indispensável.
“O que pode ter de mais valioso é você trazer um elemento que dê a cara da música. Tipo, quando alguém vá executar ao vivo, não possa ignorar esse elemento que você trouxe, sabe?”
Para Filipe, esse entendimento veio com o tempo. No começo, sua atenção estava sempre voltada só à própria guitarra. Conforme acumulou experiência, aprendeu a ouvir com atenção cada elemento do arranjo – percebendo como cada instrumento dialoga dentro da música, não apenas seu próprio timbre.
“Quando eu era mais novo eu não prestava atenção, tipo, na levada de bateria, o que o baixo tá fazendo (…). E conforme fui tendo experiência… Você começa a ficar muito mais atento aos outros instrumentos e a como que você interage com eles, e a estar escutando ativamente o que tá rolando.”
Esse processo levou Filipe a valorizar cada vez mais a escuta ativa nas sessões. Seu objetivo, hoje, vai além de tocar bem: é entregar algo autêntico, que reflita sua visão, revele sintonia com o grupo e realmente transforme a música.
Vale para qualquer situação no estúdio ou no palco: ouvir primeiro, interagir de forma intencional e buscar uma presença que seja sentida, reconhecida e lembrada por todos.
Imersão criativa: O que só uma temporada no estúdio pode oferecer
A maior parte das gravações acontece em etapas curtas, espalhadas ao longo do tempo. Às vezes, porém, surge a oportunidade de mergulhar em um único projeto intensamente, por vários dias, sem distrações externas. Filipe considera esses períodos raros como verdadeiros marcos para o desenvolvimento musical.
“Esse disco do Júnior, a gente ficou meio internado em Campinas, num estúdio, tipo um mês direto. O que foi maravilhoso! É muito difícil hoje em dia você ter um projeto onde você consegue focar 100% e estar ali todos os dias, experimentando coisas, gravando, regravando, pensando o arranjo.”
Conviver e trabalhar lado a lado com músicos experientes, sem a pressão de um cronograma apertado, possibilita alcançar resultados e ideias que dificilmente surgem quando tudo é feito às pressas.
“Foi muito legal gravar esse trabalho do Júnior, que é um artista pop brasileiro que foi produzido pelo Felipe Vassão, querido amigo produtor, embaixador do Moises… E junto com o Lucas Romero, também grande produtor, e o próprio Júnior. Eles arrasaram nessa produção.”
Mergulhar completamente no processo criativo em estúdio é raro, mas deixa aprendizados válidos para qualquer contexto: sempre que surgir a chance, vale reservar tempo para sessões dedicadas. Mesmo períodos curtos de imersão costumam abrir espaço para novas ideias e caminhos musicais que não aparecem na rotina acelerada do dia a dia.
Camadas, detalhes e identidade: Como cada escolha molda o resultado final
Cada faixa pronta envolve uma série de escolhas, ajustes e experimentos que muitas vezes passam despercebidos por quem ouve. Durante as gravações do álbum de Júnior Lima, Filipe buscou transformar pequenos detalhes e até sons inesperados em marcas registradas da produção. Isso significou, por exemplo, usar recursos pouco convencionais, como capturar um som interessante mesmo que, para isso, fosse necessário recorrer ao microfone do celular.
“Vou mostrar um lance que é super interessante, que foi ideia do Lucas Romero, um dos produtores do disco. Eu tava tocando um Hofner com palheta assim, desplugado. (…) E eu nem vi, mas ele sampleou isso com um microfone de iPhone (…), usou no final, e ficou muito doido.”
Outro ponto fundamental para Filipe é partir dos talentos do próprio artista ao construir um arranjo. No trabalho com Paulo Nazaré, o violão ganhou destaque porque dialogava diretamente com o que faz parte da essência do músico.
“A gente começou o arranjo pelo violão, pelo Paulinho tocar violão e para que isso tivesse mais a cara dele, sabe?”
Já em outros projetos, o pedido vem direto do produtor: querem o som específico que Filipe imprime nas gravações. Foi assim com Jean Luca, conhecido como Janluska e também participante da série Off the Record, na produção do álbum de Mariana Nolasco.
“Acho que uma das coisas mais legais, um dos maiores privilégios, é a galera me chamar pra botar o meu som (…). Nesse disco da Mariana Nolasco — que é uma artista brasileira querida, amiga —, o Jean Luca (…) tinha gravado já várias guitarras, e aí ele queria esse som específico meu. (…) E daí acabou que o final da música é só a guitarra tocando os acordes com esse som.”
Explorar possibilidades nos detalhes e estar aberto a ideias espontâneas faz toda a diferença para dar destaque às produções. Um olhar atento à identidade de cada artista e disposição para experimentar ajudam a criar faixas únicas.
Produção é convivência: O que faz a diferença no estúdio
A rotina de produção vai muito além da escolha de equipamentos ou de montar arranjos sofisticados. Saber como se relacionar com quem está no estúdio, entender o clima e o momento do grupo, faz toda a diferença para o sucesso de qualquer gravação. Filipe reconhece que grande parte desse aprendizado vem da convivência com músicos e produtores mais experientes, observando suas decisões e a maneira como lidam com cada situação.
“É um processo super intuitivo, de vivência mesmo, (…) de você saber ler a sala, de você estar em uma gravação e saber se colocar e prestar atenção em como cada um está se comportando. Eu convivo com muita gente que é mais velha que eu, que tem muito mais experiência. Então eu tô sempre de olho, tentando aprender com o comportamento, com a postura.”
Confiança, humildade e sensibilidade para perceber a energia do ambiente são essenciais para músicos e produtores. Em várias situações, contribuir de verdade significa saber dar espaço para o outro e entender o momento de escutar ao invés de conduzir.
Expandindo possibilidades: Crescer para além da guitarra
Explorar novos caminhos é essencial para quem quer evoluir na música. Filipe encontrou novas maneiras de expressar suas ideias ao atuar como beatmaker, produtor e diretor criativo, indo muito além apenas da guitarra.
“Então, é isso, expandir. Pra mais formas de jogar a minha personalidade pra fora, … muito além da guitarra ou do instrumento. Eu tenho gostado muito disso, de jogar minhas ideias pra fora, independentemente de qual é o instrumento — seja com o mouse, seja com o baixo, seja levantando um beat, o que for… E tenho trabalhado num disco, que é algo que eu pretendo lançar em breve, e quero produzir mais também no longo prazo.”
Seu foco não está em buscar um só timbre perfeito ou um som “puro” de guitarra. O que realmente importa para Filipe é contribuir de acordo com o que cada projeto pede. Ele mantém a mente aberta para novas funções, ferramentas e desafios, o que impulsiona sua criatividade para outros patamares.
Mudar de papel ou experimentar algo fora da rotina pode abrir portas para um crescimento inesperado. Se você passa anos fazendo só o que já domina, vale arriscar e experimentar uma abordagem diferente, seja produzindo outros artistas ou testando ferramentas ainda desconhecidas. Quanto mais flexível e disponível para aprender, mais você cresce como artista.
Conclusão: curiosidade e prática constante impulsionam a carreira
A trajetória de Filipe Coimbra mostra que evolução não depende de condições ideais ou momentos perfeitos para agir. Avançar na música é resultado da busca constante por aprender, do interesse em explorar novidades e da disposição de se jogar em experiências diferentes, aceitando tanto os erros como os acertos pelo caminho.
A caminhada dele mostra que evolução na música não depende de fórmulas prontas. Vem da curiosidade de explorar, de se permitir experimentar novos papéis e de encontrar personalidade justamente nos detalhes de cada projeto. Esse processo, feito no dia a dia e aberto ao inesperado, fortalece a identidade artística e amplia o impacto do que se cria, de músico para músico e de artista para público.
Quer saber mais? Confira o quinto episódio de Off the Record, com Filipe Coimbra! A série está disponível no canal do Moises no YouTube.