Eloy Casagrande começou a praticar bateria aos oito anos de idade; aos 20, tornou-se baterista da Sepultura, uma das maiores bandas de metal do mundo. Já na estrada com o grupo há uma década, divide-se ainda entre professor e YouTuber, sendo acompanhado por quase 300 mil seguidores em suas mídias digitais. Em entrevista exclusiva para a equipe Moises, Casagrande falou sobre o uso da tecnologia a favor da arte, desafios do mercado de cursos online, rotina de estudos, processo criativo e muito mais.
Confira o papo na íntegra:
MOISES - Você começou a tocar bateria ainda quando criança, quando o acesso a tecnologia era bem diferente de hoje em dia. Conta pra gente: de que forma seu processo de aprendizado mudou ao longo dos anos?
ELOY - A questão da educação musical se transformou muito. Teve uma mudança significativa e muito importante, uma mudança boa em geral. Eu lembro que quando eu comecei a tocar, aos oito anos de idade, era muito difícil ter acesso às informações. Eu tinha que procurar músicos locais e fazer aulas com esses bateristas, só que geralmente era muito difícil ter acesso a esses músicos e nem sempre eles passavam suas informações porque eram “informações valiosas”. Ou eu estudava ainda através de uma revista especializada do meio, comprava DVDs educacionais de grandes bateristas, DVDs importados que custavam uma nota — e geralmente eu não entendia, porque eu não falava inglês. Às vezes você passava meses com um problema, com uma dificuldade que seria resolvida em poucos momentos se você tivesse uma orientação correta, certa, rápida e de fácil acesso. Hoje é tudo mais fácil com a Internet. As pessoas podem estudar à distância, estudar com quem elas quiserem.
Mas tem um ponto também: as pessoas precisam tomar cuidado com os picaretas do meio, porque como é um mercado aberto e muito interessante, qualquer pessoa pode falar qualquer coisa. Não existe mágica no meio musical, não existe imediatismo. Estudar um instrumento leva anos, é um contato artístico muito profundo. Torço para que as pessoas procurem músicos que toquem efetivamente, que façam música, tenham banda, acompanhem artistas, porque esses músicos, sim, vão conseguir ensinar música para os seus alunos.
M - Você tem uma presença bem marcante no meio digital e, inclusive, lançou o curso ‘Bateria para Subversivos’. Ensinar à distância tem apresentado desafios? Em contrapartida, o que facilita este processo?
E - Comecei a dar aulas online através do meu portal “Bateria para Subversivos” e tem sido uma experiência incrível. Eu sempre almejei ter esse contato com as pessoas da área mesmo que isso fosse online e agora eu tenho a sorte de ter contato com músicos brasileiros, argentinos, colombianos, chilenos, mexicanos, americanos, espanhóis... E é sensacional.
Eu vejo nos alunos dificuldades que eu tive no meu processo evolutivo e tento sanar isso para eles de uma forma muito direta e pragmática, desmistificando algumas questões da bateria e sempre prezando pela música. Meu maior objetivo é sempre que a pessoa chegue num ponto musical. Eu respondo aos meus alunos diariamente e também aprendo muito com eles. Por exemplo, tem um lance muito legal que aconteceu recentemente: um aluno me fez uma pergunta, eu respondi para ele; depois eu me fiz o mesmo questionamento e percebi que eu não saberia responder isso para mim anteriormente, mas consegui responder para o aluno. Analisando o problema das outras pessoas, resolvo os meus problemas. É um negócio muito louco. (risos)
Acho que o maior empecilho do online é a questão do som porque a bateria é um instrumento acústico, ou seja, às vezes o aluno precisa estar no ambiente para entender realmente a sonoridade.
M - Lançamos o aplicativo Moises e estamos muito felizes em ter você como usuário — e entusiasta! Percebemos que cada pessoa acaba criando uma experiência única baseada em suas próprias necessidades. De que forma o Moises faz parte do seu cotidiano?
E - Quando eu descobri o Moises, no meu primeiro contato eu parecia uma criança com um brinquedo novo! O que eu fiz primeiro foi carregar no aplicativo minhas bandas prediletas e escutar os artistas de forma isolada. Eu pensava: "quero escutar essa bateria nesse trecho que eu nunca consegui identificar o que o baterista fazia”, então eu ia lá e reduzia o volume dos outros instrumentos. Ou ainda "quero escutar a voz desse cara isolada, só a track vocal. Peraí, deixa eu tirar os outros instrumentos” (risos). Eu parecia uma criança boba ali mexendo em tudo, clicando em tudo. Fiquei realmente assustado com a praticidade, ele é muito fácil de mexer.
O Moises tem impactado muito positivamente minha vida porque ele engloba todos os meus projetos. Eu consigo dar aulas através do aplicativo, já que uma parte do processo de ensino dos meus alunos é eles aprenderem música, fazerem música. Esse é o principal objetivo do aplicativo: empoderar o processo criativo do aluno, do músico. O aluno consegue identificar o que está acontecendo melhor numa música, consegue aprender melhor com seu artista favorito e depois tocar com sua banda.
Utilizo o Moises também para fazer covers que divulgo nos meus canais, nas minhas mídias sociais... Até mesmo as músicas do Sepultura, que às vezes eu não tenho as tracks separadas, consigo separar a bateria e tocar em cima das faixas. Tudo que eu tenho feito engloba o Moises. Tenho certeza que ele vai atingir muitas pessoas. É um aplicativo que eu esperei a vida toda. Teria facilitado muito a minha vida se o Moises já existisse há 15, 10 anos.
M- Bem, a pergunta a seguir vem para ampliar a resposta anterior: o que você acha do uso da tecnologia na música, seja ela nos estudos, na produção ou em quaisquer outros aspectos do fazer musical?
E - Eu acredito que a gente deve usar a tecnologia a favor da música. É uma ferramenta muito útil para, principalmente, ampliar as nossas possibilidades artísticas. Eu sempre bato nessa tecla de que devemos utilizar a tecnologia de forma coerente para que ela seja um facilitador, seja para aumentar o nosso poder criativo ou comunicativo. É uma pena que as pessoas às vezes utilizam a tecnologia para simular algo que elas não fazem, principalmente no que se refere a instrumentos musicais, para atingir resultados que nunca seriam atingidos organicamente. Isso é muito triste. A gente precisa respeitar nossas limitações pessoais e musicais. A tecnologia veio para isso, para nos ajudar. É uma ferramenta muito forte e a gente precisa utilizá-la a favor da arte.
M - Você é baterista do Sepultura há dez anos, mas antes disso passou por diversas bandas, priorizando subgêneros do metal. Cada projeto demanda um processo criativo diferente? Como ele acontece na Sepultura?
E - Sim, cada projeto possui um processo criativo diferente. Na Sepultura ele é muito amplo. As músicas podem nascer a partir da bateria, por exemplo. Eu gosto de manter um contato próximo do instrumento, ou seja, estou sempre fazendo estudos experimentais e às vezes surge alguma célula interessante. Imediatamente, eu acho que posso utilizar essa célula na banda então eu gravo esse trecho, desenvolvo variações pensando já numa canção, no refrão, verso, solo de guitarra, ponte, enfim, e mando isso para os caras. A partir disso, eles passam a compor o resto dos instrumentos.
As músicas também podem nascer da guitarra nesse mesmo processo. O Andreas [Kisser] grava um riff, alguma ideia, e me manda. Daí eu vou somando a esse riff dele, talvez encontrando novas soluções, novos caminhos… As músicas podem nascer ainda através de jams. A gente se reúne, começa a tocar alguma coisa aleatória e disso nasce uma célula interessante que começamos a desenvolver.
É algo muito aberto, espontâneo, natural. Nunca existe aquela pressão de precisar fazer algo. Às vezes nos juntamos e simplesmente não sai nada. A gente precisa respeitar isso. É horrível quando você tem que compor sob pressão, com uma necessidade de que algo surja. Aí é que as coisas não acontecem! O processo criativo tem que ser livre; claro, você tem que ter uma urgência, uma necessidade, mas não uma pressão física, uma pressão do mercado ou do meio para que isso seja uma obrigação. Eu tive sorte porque em todos os projetos pelos quais eu passei, a criação era muito livre, sem nenhuma intromissão de gravadora, de produtor ou de empresário.
M - Você é compositor, músico, professor, YouTuber… A agenda deve ser apertada! Existe rotina de estudos e ensaio quando você está em turnê?
E - Pois é, estudar em turnê é muito complicado, praticamente impossível, por conta do fator físico da bateria. Embora eu tenha uma bateria montada todo dia no palco, eu não posso simplesmente subir lá e ficar tocando porque existem pessoas trabalhando no dia do show, tipo as equipes de outras bandas ou da casa de show. Também nem sempre é fácil arranjar uma outra bateria em algum lugar para eu estudar. Um outro fator também é que em turnê a gente está sempre muito cansado. A gente faz shows geralmente todos os dias, fora as viagens, voos… Tem dias que realmente não daria tempo de estudar; às vezes a gente não tem tempo nem de dormir, nem de comer direito, estudar ainda seria impossível. Mas eu tento manter uma rotina básica de fazer os rudimentos baterísticos ou quando eu tenho a chance de subir no kit e tocar um pouco numa passagem de som, eu faço também. Ainda uso um pad de borracha, que é uma ferramenta que os bateristas utilizam para estudar, e pratico um pouco no camarim todo dia, fazendo ainda aquecimento antes de entrar no palco.
Eu sinto muita falta de estudar nesses períodos porque gosto de manter uma rotina quando estou em casa. É bem difícil de estudar e evoluir numa turnê, então o negócio é realmente aproveitar os shows, absorver o máximo das pessoas que estão ali e que foram te assistir, ter essa troca energética e aproveitar a vida! Enjoy life! (risos)
M - A bateria é considerada um instrumento bastante complexo e por isso mesmo muitas pessoas têm “medo” de começar a tocar. Qual seria a dica de ouro para os iniciantes?
E - O primeiro fator é que a bateria não é um instrumento complexo ou super difícil, quero quebrar esse mito. Claro que a bateria pode assustar as pessoas inicialmente porque você precisa ter a coordenação dos quatro membros, mas isso é algo que a gente desenvolve gradativamente. Existe um processo para que isso seja feito de uma forma não tão dolorosa. Para mim, a maior dificuldade para a pessoa começar a tocar bateria é o instrumento em si, porque é um instrumento caro, um instrumento que exige espaço. É um instrumento acústico, então é alto, faz barulho. A pessoa pode começar a tocar através de uma bateria eletrônica, um pad de borracha, mas a bateria acústica é extremamente importante porque ela é o instrumento em si.A partir do momento que a pessoa tem as condições para tocar o instrumento, ela precisa de tempo e de dedicação, como tudo na vida. Você tem que estar próximo daquilo, tem que ter um contato constante e diário com o que você quer. Mesma coisa quando a gente tem um problema: você tem que querer resolver o problema, tem que estar próximo dele, ficar amigo do problema. É a mesma coisa. Não que aprender um instrumento seja um problema (risos), não é isso, mas se você quer evoluir, comunicar-se de uma forma melhor através do instrumento, você tem que estar em contato com ele diariamente, constantemente. A gente leva uma vida para chegar num resultado que a gente quer ou a gente precisaria de vidas para chegar onde a gente quer. O que vale é o dia a dia, o processo evolutivo, o processo da mudança. É isso que a gente tem que aproveitar e é isso que eu aproveito até hoje: respeitar o agora.
Autora: Gi Ismael - jornalista brasileira